O cerco à Harvard: quando o saber vira alvo

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Por Hosa Freitas e Merlí Bradley

É cada vez mais evidente que o governo Trump vai além da disputa eleitoral — ele quer disputar o imaginário; ele quer disputar o imaginário. E, para isso, tem usado como arma algo que deveria ser inviolável numa democracia: o conhecimento. O recente bloqueio do Departamento de Segurança Interna à autorização da Universidade de Harvard para matricular estudantes estrangeiros não é apenas uma medida administrativa. É um gesto simbólico e estratégico, parte de uma política deliberada de hostilidade à ciência, à diversidade e à autonomia das instituições.

Harvard é um dos maiores símbolos da educação de excelência no mundo. Desde sua fundação, em 1636, acolhe estudantes de dezenas de países e forma lideranças globais. Quando o governo dos Estados Unidos tenta revogar sua capacidade de admitir alunos estrangeiros, atinge não apenas uma universidade, mas um conceito de mundo: cosmopolita, livre, crítico, científico. E faz isso não por acaso, mas por cálculo político.

Trump opera por meio do confronto. Ele transforma instituições em inimigos públicos porque sabe que, para sua base eleitoral mais radical, os “intelectuais globalistas” são vistos como distantes, elitistas e hostis à vida do cidadão comum. Criar esse antagonismo rende engajamento e dá sentido a sua retórica populista. E Harvard, que representa excelência acadêmica, acolhimento internacional, pensamento progressista e resistência ao autoritarismo, torna-se um alvo perfeito. A universidade é, ao mesmo tempo, tudo o que Trump quer deslegitimar: saber, ciência, liberdade de pensamento, pluralidade cultural e autonomia institucional.

O ataque a Harvard é também um recado às demais instituições: alinhem-se ou preparem-se para sofrer sanções. A exigência de documentos, a ameaça de expulsar estudantes e a retaliação explícita à gestão da universidade mostram que a intenção é pressionar, intimidar, controlar. É um ensaio de autoritarismo onde o ensino superior se torna território de guerra cultural.

Mas não se trata apenas de Harvard. Trata-se de um projeto mais amplo, que inclui ações contra a Universidade de Columbia, perseguições a professores, cortes de financiamento e criminalização de protestos estudantis. O objetivo não é resolver um problema administrativo. É silenciar o dissenso, desestruturar o pensamento crítico, restringir o acesso de estrangeiros e reduzir o alcance simbólico da produção acadêmica.

A repercussão internacional foi imediata. Do governo chinês à ministra da ciência da Alemanha, passando por ex-alunos ilustres e universidades ao redor do mundo, a reação foi de perplexidade e repúdio. Muitos enxergam, com razão, o risco de os Estados Unidos abrirem mão de sua liderança no campo do conhecimento, cedendo espaço para que outras nações assumam o protagonismo da ciência e da formação global.

Ao mover sua máquina política contra Harvard, Trump não apenas desafia a Constituição e o senso comum. Ele compromete a imagem dos EUA como nação acolhedora e inovadora. Tenta impor uma lógica de fechamento, punição e censura a uma instituição que sempre foi farol de liberdade e pensamento avançado. E, nesse movimento, evidencia o que muitos cientistas políticos têm dito com clareza: o saber está sob ataque.

O que está em jogo não é um formulário de matrícula, mas o futuro de um país que, historicamente, liderou o mundo justamente por atrair talentos, respeitar o pluralismo e investir no conhecimento. A decisão judicial que suspendeu temporariamente a medida do governo é um alento. Mas a disputa está longe de terminar. Ela é cultural, ideológica e estratégica. E, por isso, merece ser acompanhada, compreendida e denunciada.

Porque quando Harvard é atacada, não é só uma universidade que está na mira. É a própria ideia de que aprender, questionar e pensar valem a pena.

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