Dívida pública significa quanto um governo deve. Contudo, quando ouvimos falar de dívida pública nos noticiários é geralmente sobre a Dívida Pública Federal (DPF)
A dívida pública brasileira figura entre os principais desafios macroeconômicos do país. A deterioração fiscal que vivemos há anos, combinada com um cenário de juros elevados, deixa o mercado em permanente alerta.
De acordo com o Boletim Macrofiscal da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, a dívida bruta do governo ultrapassa 80% do PIB. Embora esse patamar seja administrável em determinadas circunstâncias, ele representa riscos importantes que merecem ser analisados à luz do debate econômico internacional.
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Segundo o Monitor Fiscal, do Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida pública global segue em trajetória de alta e deve chegar a 95,1% do PIB mundial até o final de 2025. O caso brasileiro reflete parte desse movimento mundial, sendo impactado tanto por condições domésticas quanto por fatores externos como juros globais em alta.
Crescimento econômico em risco
No curto prazo, o principal desafio é o risco de liquidez. A necessidade de refinanciar uma parcela substancial da dívida em um ambiente de juros elevados e alta volatilidade cambial pressiona os custos do serviço da dívida pública.
Soma-se a isso o problema dos déficits fiscais recorrentes, que elevam a percepção de risco por parte dos investidores, o que eleva o prêmio exigido para financiar o governo. Historicamente, em cenários de confiança deteriorada, episódios de desvalorização da moeda tendem a aumentar o custo da dívida indexada ao câmbio, agravando ainda mais os desequilíbrios fiscais.
No médio prazo, o risco mais significativo envolve a sustentabilidade da dívida. De acordo com Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, economistas mundialmente conhecidos por seus estudos sobre ciclos de endividamento e crises financeiras, quando a taxa de crescimento do PIB é inferior à taxa de juros real da dívida, a dinâmica tende a se deteriorar rapidamente.
O Fórum Econômico Mundial também alertou, em 2024, para os riscos associados à limitação de investimentos produtivos essenciais em países com crescimento lento e alto nível de endividamento.
Dívida pública e Taxa Selic: o que preocupa o mercado
A dívida interna brasileira vem crescendo não apenas em volume, mas também em sensibilidade à taxa Selic. Nos últimos anos, o governo aumentou significativamente a parcela dos títulos públicos indexados à taxa básica de juros.
Segundo o Tesouro Nacional, mais de 47% da dívida atualmente está atrelada a essa taxa. Isso significa que cada ponto percentual de elevação dos juros básicos impacta quase instantaneamente o custo fiscal do governo.
Quando a maior parte da dívida responde de maneira imediata às oscilações da Selic, o país fica muito mais vulnerável a choques monetários e mudanças abruptas no ambiente financeiro internacional.
Um agravante desse cenário é a limitação do espaço de atuação da política monetária, além do aumento da transferência de renda para rentistas, em detrimento de gastos sociais e investimentos produtivos.
O efeito bola de neve e o custo da dívida
Esse cenário nos leva diretamente a um “efeito bola de neve”: a cada elevação da Selic, a despesa com juros aumenta rapidamente, pressionando a dívida pública e tornando mais difícil reverter a escalada do endividamento.
Segundo dados do Banco Central, somente em 2024, o governo desembolsou R$ 928,4 bilhões em juros da dívida, valor superior ao orçamento anual de muitas áreas sociais essenciais.
Cria-se, assim, um ciclo vicioso: juros elevados pioram o resultado fiscal; piora fiscal eleva o risco-país e pressiona ainda mais os juros; e assim sucessivamente, tornando a dinâmica da dívida cada vez mais difícil de contornar.
Lições globais para repensar a dívida
O consenso internacional aponta que a gestão da dívida deve envolver disciplina fiscal, a promoção do crescimento de longo prazo e a ampliação do grau de transparência na execução orçamentária.
Como destaca o FMI na edição de abril de 2025 do Monitor Fiscal, países que adotaram políticas fiscais críveis e implementaram reformas institucionais conseguiram reconquistar a confiança dos mercados, mesmo saindo de altos patamares de endividamento.
O combate à evasão fiscal, a reforma tributária e a contenção do crescimento de despesas obrigatórias são apontados pela OCDE e pelo Banco Mundial como medidas estruturais indispensáveis para países que desejam estabilizar sua dívida em relação ao PIB.
Importância da ancoragem fiscal
No contexto brasileiro, o estabelecimento de regras fiscais duradouras que gozem de credibilidade é fundamental. Estabelecer limites para gastos e metas de resultado primário pode contribuir de forma significativa para a redução da volatilidade e, consequentemente, o prêmio de risco exigido pelos investidores.
Com um cenário internacional ainda marcado por juros elevados e crescente fragmentação geopolítica, o Brasil precisa reforçar seus fundamentos fiscais. O espaço para erros é cada vez mais estreito: falhas podem gerar custos altos para a sociedade, reduzir o crescimento econômico, provocar desvalorização cambial e comprometer a credibilidade externa.
Além disso, a consolidação fiscal é fundamental para liberar espaço ao investimento privado, muitas vezes sufocado pelo chamado “crowding out”, quando o Estado absorve boa parte da poupança interna para financiar sua própria dívida, restando menos recursos ao setor produtivo.
Escolhas do governo definirão os rumos da estabilidade macroeconômica
A dívida pública brasileira apresenta riscos relevantes em todos os horizontes de tempo, e mais do que um simples número, ela é reflexo de escolhas políticas e do grau de eficiência na alocação dos recursos do país.
A teoria econômica e a experiência internacional sugerem que a sustentabilidade fiscal depende de crescimento robusto, reformas estruturais e políticas públicas ancoradas em responsabilidade e transparência.
O desafio do Brasil é construir credibilidade e sinalizar, com firmeza, o compromisso de longo prazo com o equilíbrio das contas públicas.

Professor Mira
Investidor profissional, Analista CNPI-T (Apimec), mestrando em Economia, com MBAs em Gestão de Investimentos, Análise de Investimentos e Educação Financeira. Empresário, sócio do Clube FII e do Grana Capital, escritor best-seller e educador financeiro com cursos que já formaram mais de 50 mil alunos pelo mundo. Está nas redes sociais como @professormira
Fonte: B3