Famílias e empresas pagam 17% mais em juros em 2024, enquanto a renda cresce apenas 3,2%, revelando um cenário de endividamento que pode frear o consumo e o investimento no país.
O Brasil vive um paradoxo econômico que merece atenção. Enquanto a taxa de inadimplência apresenta uma queda animadora, impulsionada em parte por renegociações de dívidas e um mercado de trabalho mais aquecido, os números por trás dessa aparente melhora acendem um alerta preocupante para o futuro do país. Dados recentes da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) revelam que famílias e empresas brasileiras desembolsaram, juntas, um impressionante R$ 1,148 trilhão em juros ao longo de 2024.
Esse valor não é apenas alto, ele representa um salto de 17% em relação ao total pago em 2023, que já era significativo: R$ 981 bilhões. Para colocar em perspectiva, o grosso desse montante, R$ 859,9 bilhões, saiu diretamente do orçamento das famílias, enquanto as empresas destinaram R$ 287,9 bilhões para honrar seus compromissos com o setor financeiro.
O Custo do Crédito: Uma Sustentação Frágil
É inegável que o mercado de crédito tem sido um pilar fundamental para a sustentação da demanda agregada no Brasil, com um aumento nas concessões. A queda na inadimplência, nesse contexto de juros elevados, poderia ser vista como um sinal positivo, sugerindo que as pessoas e empresas estão conseguindo se ajustar. Contudo, essa resiliência tem um custo alto.
O problema reside na disparidade entre o que se paga em juros e o que se ganha em renda. Enquanto os juros subiram 17%, a renda anual das famílias avançou modestos 3,2%. Essa discrepância indica um comprometimento crescente da renda dos lares e do fluxo de caixa dos negócios com o pagamento de dívidas. Em outras palavras, para manter o consumo e os investimentos, brasileiros e empresas estão se endividando mais, e a fatia do orçamento destinada a juros está engolindo uma parte cada vez maior dos ganhos.
Concentração de Riqueza e Risco de Desaceleração

Aprofundando a análise, percebe-se que a renda gerada na economia brasileira está se concentrando cada vez mais no setor financeiro. Essa dinâmica é ainda mais perversa quando se considera que os rendimentos reais não estão crescendo na mesma proporção. Isso significa que, embora a economia possa parecer ativa em virtude do crédito, a riqueza está se deslocando para um setor específico, em vez de se espalhar por toda a cadeia produtiva e de consumo.
Essa concentração de renda, aliada ao crescente endividamento e ao lento avanço dos rendimentos, cria um horizonte de risco para a sustentabilidade do consumo e dos investimentos no país. Com menos dinheiro disponível no bolso das famílias e no caixa das empresas após o pagamento de juros, a capacidade de consumir bens e serviços ou de investir em novos projetos diminui. Esse cenário pode levar a uma desaceleração econômica, impactando o crescimento do PIB, a geração de empregos e a qualidade de vida da população.
É crucial que as autoridades e o setor produtivo monitorem de perto esses indicadores. A aparente estabilidade da inadimplência não deve mascarar o desafio do endividamento crescente. É preciso encontrar um equilíbrio que permita o acesso ao crédito sem que isso se torne um peso insustentável para a renda e para o futuro da economia brasileira.
Fonte: RHC/Fecomérci/SP