“Câmara pelo Brasil”: aproximação ao cidadão ou sobreposição de tarefas?

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Programa lançado por Hugo Motta cria comitê de cinco deputados para rodar o país e “ouvir demandas”. O problema: a Câmara já tem instrumentos e estruturas para isso e eles custam menos e são mais transparentes.

O novo Programa Câmara pelo Brasil foi lançado com a promessa de “aproximar a população do trabalho legislativo”. Pela proposta, um comitê de cinco deputados (um por região), coordenado por Da Vitória (PP-ES), vai viajar pelo país para receber demandas sociais e articular com comissões, líderes e coordenadores das bancadas estaduais. As diretrizes e o cronograma ainda serão definidos, e o programa ficará “à disposição de cada deputado para cumprir agendas em seus estados, em sua base”, palavras do presidente Hugo Motta no anúncio oficial.

O diagnóstico é legítimo. O Congresso precisa, sim, ouvir melhor e errar menos. Mas o remédio proposto parece duplicar estruturas existentes. A Câmara já dispõe de 30 comissões permanentes (além de temporárias) com competência regimental para realizar audiências públicas, inclusive fora de Brasília, quando necessário e instruir políticas com participação social. Esses mecanismos estão no Regimento Interno e são usados há anos.

Em termos de governança, bastaria à Mesa Diretora acionar as coordenações de bancada para mapear demandas estaduais e encaminhá-las às comissões, com metas, custos e indicadores de acompanhamento.

Além disso, as bancadas estaduais, com seus coordenadores, existem justamente para agregar prioridades, negociar e apresentar emendas (LDO, LOA, PPA) e dialogar com governos locais. Em outras palavras: a Câmara já tem um “instrumento, uma ferramenta institucional” para captar demandas, municípios e regiões onde os parlamentares atuam sem criar uma nova caravana.

Não é uma ideia inédita: em 2015, a própria Câmara ensaiou um formato itinerante com audiências em capitais, sob a bandeira de levar o Legislativo até o cidadão. O histórico mostra que é possível rodar o país usando as ferramentas já disponíveis, comissões, audiências, frentes e bancadas sem abrir mais uma frente administrativa.

O ponto nevrálgico aqui é governança. No material oficial, há missão, composição e intenção, mas faltam metas, custos, critérios de escolha das cidades, indicadores de resultado e um painel público de acompanhamento. Se a tese é “ouvir para acertar mais”, o mínimo seria publicar quanto custa, o que será entregue (ex.: número de audiências, relatórios encaminhados às comissões, projetos acelerados) e como isso se conecta ao processo legislativo, sem transformar a agenda em plataforma de promoção pessoal nos territórios de representação.

Caminho alternativo (mais barato e verificável)

  1. Plano de audiências temáticas nas comissões (com calendário e escopo) descentralizadas nas capitais e polos regionais, com transmissão e documentação pública;
  2. Papel ativo dos coordenadores de bancadas estaduais para mapear, priorizar e encaminhar demandas locais diretamente às comissões, vinculando-as a emendas de bancada e a projetos em tramitação;
  3. Relatórios trimestrais com metas e indicadores (quantas demandas recebidas → quantas viraram propostas, emendas, relatorias, fiscalizações), em página de dados abertos da Câmara.

Em resumo: a intenção de “aproximar” é correta; o desenho, redundante e potencialmente caro. Antes de pôr uma nova estrutura na estrada, a Câmara poderia turbinar o que já existe, com métrica, transparência e foco em resultado. A sociedade não precisa de mais um slogan, precisa de processo público que entregue.

Por Hosa Freitas
Jornalista, consultora e especialista em comunicação institucional. Atua há mais de 35 anos com posicionamento de marca, mídia espontânea e estratégias de reputação

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