Após a derrota da MP que aumentaria tributos, governo retoma a narrativa de confronto entre “ricos e pobres” para tentar reconquistar apoio político e moral.
O governo federal transformou um revés político em discurso de resistência. Depois que a Câmara dos Deputados derrubou a Medida Provisória (MP) que previa aumento de impostos sobre apostas, fintechs e fundos exclusivos, um dos pilares da estratégia fiscal de 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltaram a adotar o tom clássico do “nós contra eles”.
O eixo do argumento é conhecido como o governo defende que busca recursos para sustentar políticas públicas e reduzir desigualdades, enquanto o Congresso e a oposição “atuam em defesa da elite econômica”. Em discursos e postagens nas redes, Haddad afirmou que a MP rejeitada “visava corrigir privilégios”, e que a resistência à proposta “mostra quem defende os mais ricos”.
Nos bastidores, o episódio gerou preocupação real: a queda da MP abre um rombo estimado em R$ 35 bilhões no Orçamento de 2026, o que obriga a equipe econômica a redesenhar o pacote fiscal. Técnicos da Fazenda trabalham agora na tentativa de recuperar partes “incontroversas” da proposta dispositivos de controle e transparência que tiveram apoio no Congresso e podem ser reapresentados via projeto de lei.

Lula, por sua vez, aproveitou o embate para reforçar o tom social de seu discurso. Em evento público, disse que a recusa da MP “põe em risco investimentos em saúde e educação”, e que “quem mais perde é o povo pobre que depende do Estado”. O presidente tenta, com isso, mobilizar a base e reacender o contraste ideológico que marcou os anos de polarização política.
A estratégia, no entanto, tem riscos. A retórica de confronto tende a mobilizar as bases, mas pode afastar o centro político e travar as negociações de temas urgentes, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o novo plano fiscal de compensações. Parlamentares ouvidos pela imprensa apontam que a tensão entre Executivo e Legislativo deve se intensificar nas próximas semanas, principalmente se o governo insistir em pautar medidas de arrecadação sem amplo diálogo.
No campo simbólico, o discurso de Lula e Haddad retoma a fórmula que marcou o início do século: a de um governo que se vê como defensor do povo contra as elites. A diferença é que, agora, a disputa se dá em um ambiente de instabilidade fiscal, redes sociais polarizadas e um Congresso menos previsível. O “nós contra eles” de 2025 é mais difuso, mas continua eficaz como narrativa de mobilização.
Por Hosa Freitas
Jornalista, consultora e especialista em comunicação institucional.
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