Em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), advogados da Câmara e do Senado defenderam a impositividade e a transparência das emendas parlamentares, reforçando que o sistema permite a participação das minorias políticas no processo orçamentário, enquanto críticos questionam a eficiência, a rigidez fiscal e o potencial uso político dos recursos.
A sessão foi conduzida pelo ministro Flávio Dino, relator de três ações diretas de inconstitucionalidade que questionam essas emendas. Segundo ele, o STF não pretende usurpar o Legislativo, mas garantir que todos os poderes respeitem o equilíbrio fiscal e a independência constitucional
O discurso da representação parlamentar
De um lado, Jules Pereira, representante da Câmara, comparou o Brasil aos EUA. De acordo com ele, a oposição é frequentemente excluída do processo orçamentário. Para o Brasil, as emendas individuais, de bancadas e de comissões garantem voz a todos os grupos. Sobre críticas de fragmentação, ele argumentou ainda que a emendas atendem necessidades locais e democráticas.
Nas palavras de Jules “evidentemente, seria o ideal que pudesse se concentrar nos grandes projetos nacionais de defesa, de energia. Mas o ‘seu’ Joaquim, lá da minha Mossoró, no Rio Grande do Norte, tem seus anseios. E por conta do princípio da dignidade da pessoa humana, os anseios do ‘seu’ Joaquim são relevantes na democracia constitucional”, disse.
Jules Pereira afirmou que a Casa recebe cerca de 10 mil pessoas por dia, todas com pedidos para os deputados. Mas disse que atender a esses pedidos não tem dado vantagens extras aos deputados nas eleições, porque a taxa de renovação tem girado em torno de 40%.
Ele disse ainda que o parlamentar é, sim, responsável pela aplicação dos recursos que indica nas emendas e lembrou que as emendas individuais passam por 27 hipóteses de impedimentos de ordem técnica dadas pela Lei Complementar 210 (2024).
A advogada do Senado, Gabriele Pereira, reforçou a visão de que o Legislativo deve controlar o Executivo e que a impositividade protege minorias políticas no orçamento.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, disse que o Executivo avalia que as decisões do Supremo Tribunal Federal e a nova lei complementar sobre as emendas parlamentares trouxeram melhorias ao sistema que estão sendo avaliadas.
Messias lembrou que, em relação às emendas individuais de transferência direta, as chamadas “emendas pix”, ficou acertada a necessidade de indicação dos autores, a destinação prioritária para obras inacabadas e a aprovação de planos de trabalho. Dos 35 mil planos do período 2020 a 2024, apenas 3 mil ainda não foram enviados, segundo dados do governo.
O Executivo também já editou 20 portarias para orientar os parlamentares na elaboração de emendas voltadas para políticas existentes e obras estruturantes.
Críticas à falta de transparência e à rigidez orçamentária
Representantes da sociedade civil, como Abraji e o PSOL, questionaram o mecanismo, com críticas principalmente à falta de rastreabilidade e à presença de termos como “emendas da corrupção” nas redes sociais. O economista Felipe Salto, da Warren Investimentos, ressaltou que as emendas, que cresceram 700% entre 2016 e 2024, comprometeram o espaço do Executivo, tornando 92% do orçamento obrigatório e ameaçando a previsibilidade financeira.
Volume expressivo e efeitos em cascata
O ministro Flávio Dino destacou que as emendas impositivas representam cerca de R$ 50 bilhões ao ano, aproximadamente 25% das despesas discricionárias do governo e que, incluindo Estados e municípios, esse montante pode ultrapassar R$ 100 bilhões. O governador Mauro Mendes, do Mato Grosso, sinalizou preocupação com a replicação do modelo em níveis subnacionais.
Ajustes já em andamento
O governo reconheceu avanços: foram 20 portarias recentes, planos de trabalho para regular as emendas “pix”, exigência de transparência e um portal para rastrear os recursos. O vice-presidente do TCU também anunciou auditoria envolvendo os tribunais para reforçar a fiscalização.
A audiência expôs o dilema central: representatividade versus eficiência governamental. O sistema atual promove inclusão política e financia demandas regionais e grupais, mas coloca em risco a disciplina fiscal e a capacidade de planejamento do Executivo.
Com argumentos técnicos e políticos em disputa, o STF analisa agora se vai aprofundar ou refrear o modelo vigente. Enquanto isso, caminhamos para um ambiente orçamentário ainda mais tenso e menos previsível.
Fonte: JHC/Agência Câmara/Terra/CNN