Após décadas como exemplo mundial, país ocupa agora a 17ª posição entre os que têm mais crianças sem nenhuma dose de imunização básica, segundo dados de 2024 da OMS e da UNICEF
Durante anos, o Brasil foi referência internacional em campanhas de vacinação infantil, com taxas de cobertura acima de 90% e uma logística reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das mais eficazes entre países em desenvolvimento. Essa realidade começou a mudar a partir de 2011, com quedas progressivas nas taxas de imunização. Em 2024, o país voltou oficialmente à lista dos 20 países com mais crianças sem nenhuma dose de vacina, ocupando a 17ª colocação entre os piores do mundo, segundo relatório divulgado pela OMS e pela UNICEF.
O levantamento leva em consideração a aplicação da DTP1, a primeira dose da vacina contra difteria, tétano e coqueluche, considerada um indicador-chave para identificar as chamadas “crianças zero dose”, que são aquelas que não receberam nenhuma vacina do calendário básico. No Brasil, o número dessas crianças aumentou em relação a 2023, anulando os sinais de recuperação do período pós-pandemia.
Até 2012, o país mantinha cobertura vacinal acima de 95% para a maioria das imunizações obrigatórias. A partir de 2013, iniciou-se um ciclo de declínio: menos campanhas públicas, cortes orçamentários, desinformação crescente e dificuldades logísticas em territórios rurais e periféricos. A situação se agravou com a pandemia de Covid-19, que interrompeu serviços, gerou medo de comparecimento aos postos de saúde e desviou recursos para emergências sanitárias.
Em 2020, o Brasil registrava apenas 79% de cobertura para a DTP1. Em 2021, o índice caiu para 74%. Em 2022 e 2023, houve reação. O número de crianças zero dose caiu de cerca de 710 mil para pouco mais de 100 mil. Mas o alívio durou pouco: em 2024, com a descontinuidade das campanhas e falhas de alcance, o país voltou ao ranking global de risco epidemiológico.
No contexto internacional, o Brasil aparece ao lado de países como Nigéria, Iêmen, República Democrática do Congo e Afeganistão, nações com conflitos armados, crises humanitárias graves ou sistemas de saúde colapsados. A presença do Brasil nesse grupo é sinal de alerta, não se trata apenas de estatísticas, mas de uma ruptura com políticas públicas históricas que garantiram ao país décadas de proteção sanitária e respeito internacional.


A OMS estima que mais de 14,3 milhões de crianças no mundo não receberam nenhuma dose de vacina em 2024. O número supera em 4 milhões a meta da Agenda de Imunização 2030. A queda na cobertura vacinal global é atribuída a cortes em ajuda humanitária, desinformação, crises econômicas e desconfiança em relação às vacinas, desafios que o Brasil, com estrutura pública robusta, deveria estar mais bem preparado para enfrentar.
Para especialistas, reverter esse cenário exige a retomada de campanhas coordenadas, o combate à desinformação e investimentos estáveis no Sistema Único de Saúde (SUS). A história de sucesso do Brasil em vacinação não pode se transformar em passado perdido.
Fonte: JHC/OMS/Unicef/MS