Decisão restitui dispositivos que reduzem exigências, ampliam licenciamento automático e transferem mais poder a estados e municípios, reacendendo alertas sociais, ambientais e econômicos.
O Congresso Nacional derrubou, nesta semana, parte dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei Geral do Licenciamento Ambiental, restituindo dispositivos que flexibilizam etapas do processo de autorização para obras, empreendimentos e atividades potencialmente poluidoras. A decisão reabre um debate que atravessa décadas no Brasil: como equilibrar agilidade para investimentos e proteção de territórios sensíveis, populações tradicionais e ecossistemas estratégicos.
Com a derrubada dos vetos, volta a valer a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite a liberação automática de empreendimentos mediante autodeclaração, inclusive para atividades de impacto moderado. Estados e municípios passam a ter autonomia ampliada para dispensar estudos prévios e definir critérios de licenciamento, enfraquecendo a obrigatoriedade de análises técnicas federais e reduzindo a necessidade de pareceres vinculantes de órgãos como Ibama, ICMBio e Funai.
Na prática, o novo desenho regulatório acelera obras e reduz custos para setores como energia, infraestrutura, logística, mineração e agronegócio, que pressionavam há anos por um modelo mais rápido e padronizado. Governadores e prefeitos também comemoram o poder local ampliado. Mas, para especialistas, organizações ambientais e órgãos técnicos, a mudança abre brechas preocupantes.
A flexibilização diminui a exigência de EIA-Rima em diversos casos, fragiliza consultas a povos indígenas e quilombolas, previstas na Convenção 169 da OIT e pode estimular uma verdadeira “guerra regulatória” entre estados, com regiões oferecendo licenças mais rápidas para atrair investimentos. O risco, segundo entidades ambientais, é o aumento de desmatamento, conflitos socioambientais, degradação de biomas como Amazônia e Cerrado e maior vulnerabilidade a desastres como rompimentos de barragens, contaminação de rios e pressão sobre comunidades tradicionais.
O movimento também deve gerar efeitos macroeconômicos e políticos. No curto prazo, obras devem ser destravadas; no médio prazo, cresce a possibilidade de judicialização, disputas federativas e insegurança jurídica. Internacionalmente, a flexibilização tende a desgastar a imagem do Brasil em temas climáticos e ambientais, justamente num momento em que investidores e organismos multilaterais intensificam exigências de governança e sustentabilidade.
Para setores produtivos, trata-se de um avanço para competitividade e redução da burocracia. Para ambientalistas e técnicos, é um retrocesso histórico que coloca em risco áreas sensíveis e fragiliza políticas públicas estruturantes. O fato é que a derrubada dos vetos marca uma mudança profunda na gestão ambiental brasileira cujos impactos reais serão sentidos ao longo dos próximos anos.
Linha do Tempo:
2021–2023: Pressão crescente por uma “lei geral”
Setores de infraestrutura, agro, energia e construção pressionam há anos por uma legislação unificada que reduza burocracias e padronize processos. Ambientalistas e órgãos técnicos resistem por causa do risco de fragilização de proteção ambiental.
2024: Texto-base avança no Congresso
O Congresso articula um texto com forte peso de setores produtivos, incluindo:
- ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC),
- flexibilização para obras consideradas de “baixo ou médio impacto”,
- redução de exigências de EIA-Rima.
Maio–Junho/2025: Aprovado o projeto final
O texto final chega ao Palácio do Planalto com artigos considerados sensíveis por órgãos ambientais federais (Ibama, ICMBio, MMA).
Julho/2025: Lula veta 50+ dispositivos
O governo argumenta que alguns pontos violavam:
- proteção de terras indígenas e quilombolas,
- áreas de preservação,
- consulta prévia (Convenção 169/OIT),
- critérios técnicos minimamente seguros para licenciamento.
Novembro/2025: Congresso derruba parte significativa dos vetos
Com forte mobilização da bancada ruralista e governadores, 52 vetos são derrubados.
Resultado: o texto original — mais flexível — volta a valer em pontos-chave.
O que muda na prática
1. LAC para empreendimentos maiores
Antes: apenas atividades com impacto muito baixo.
Agora: estados e municípios podem autorizar obras de médio impacto por autodeclaração, sem vistoria prévia.
Risco: licenças concedidas sem análise técnica adequada.
Benefício (para o setor produtivo): rapidez e redução de custos.
2. Menor poder dos órgãos federais
Pareceres de Ibama, ICMBio e Funai não são mais vinculantes.
Mesmo com parecer técnico contrário, estados e municípios podem liberar projetos.
Risco: conflitos federativos e decisões políticas sobre técnicas.
Benefício: mais autonomia local e potencial de destravar obras paradas.
3. Redução de exigências de estudos ambientais
Para diversos empreendimentos, o EIA-Rima vira exceção, não regra.
Risco: aumento de danos ambientais irreversíveis.
Efeito econômico: aceleração de projetos de infraestrutura, rodovias, hidrelétricas e mineração.
4. Consulta prévia a povos indígenas e quilombolas fragilizada
Vários vetos que protegiam a consulta obrigatória foram derrubados.
Risco: judicialização pesada e violação da Convenção 169/OIT.
Efeito político: pressão internacional contra o Brasil.
Leia também:
5. Regulamentação fragmentada pelo país
Estados e municípios agora terão responsabilidade maior para definir regras.
Risco: “guerra regulatória”, alguns locais facilitam ao máximo para atrair investimentos.
Benefício: adequação regional e decisões mais rápidas.
Consequências (curto prazo)
1. Aceleração de obras e projetos
Setores de energia, logística e agro devem ampliar pedidos e obter licenças mais rápido.
2. Reação imediata de ONGs e MPF
Haverá ações judiciais contestando constitucionalidade dos dispositivos.
3. Tensão com órgãos técnicos federais
Ibama, ICMBio e Funai ficam com menos autonomia, o que pode gerar crises internas e afastamento de técnicos de referência.
4. Pressão internacional
Investidores ESG e diplomacias vão cobrar mais rigor do Brasil (especialmente UE e EUA).
Consequências (médio prazo)
1. Aumento de conflitos socioambientais
- povos indígenas,
- quilombolas,
- ribeirinhos,
- comunidades extrativistas.
Projetos podem avançar sobre territórios sem consulta adequada.
2. Segurança jurídica instável
Com mais licenças rápidas e menos estudos, cresce o risco de judicialização e paralisações posteriores.
3. Impacto em acordos internacionais
O tema pode afetar:
- acordos climáticos,
- financiamento verde,
- renegociação de metas ambientais.
4. Desmatamento e degradação acelerados
Especialmente em Cerrado, Amazônia e Caatinga (ambientes vulneráveis).
Consequências (longo prazo)
1. Aumento de vulnerabilidade a desastres ambientais
Mais obras liberadas sem estudos podem gerar novos “Marianas” e “Brumadinhos”.
2. Impacto na biodiversidade e no clima
Redução de áreas naturais preservadas, contaminação de rios e perda de fauna/flora.
3. Perda de credibilidade internacional
O Brasil vinha recuperando liderança climática; agora pode retroceder.
4. Pressão social e política por nova revisão da lei
Assim como ocorreu com o Novo Código Florestal, o tema vai voltar ao debate em alguns anos.
Síntese da Análise (equilibrada e direta)
A derrubada dos vetos não é um avanço nem um retrocesso absoluto, mas ela:
- acelera licenças, obras e investimentos (benefício concreto para o setor produtivo);
- enfraquece salvaguardas ambientais fundamentais, aumentando riscos reais;
- concentra poder em estados e municípios, sem garantir estrutura técnica;
- expõe o Brasil a desgaste internacional e judicialização interna;
- eleva tensões com órgãos ambientais federais e comunidades tradicionais.
É uma mudança estrutural que vai reconfigurar a relação entre economia e meio ambiente por muitos anos.


















