Mudanças anunciadas pelo governo prometem ampliar o financiamento habitacional e destravar recursos da poupança, mas especialistas ainda questionam a viabilidade do modelo.
O sonho da casa própria parecia cada vez mais distante para a classe média brasileira, espremida entre os juros de mercado e as limitações dos programas habitacionais populares. No entanto, um novo programa lançado pelo governo federal nesta sexta-feira (10) promete mudar esse cenário, criando uma nova via de acesso ao financiamento imobiliário para famílias com renda mensal acima de R$ 12 mil.
Neste guia completo, vamos detalhar tudo o que você precisa saber sobre essa iniciativa, o que muda na prática, quem se beneficia, quais são os riscos e como se preparar para aproveitar essa oportunidade.
O Fim da Espera: Um programa pensado para a classe média

Até agora, o mercado de financiamento habitacional tinha um “buraco”: famílias que ganhavam muito para se enquadrar no programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), mas não o suficiente para arcar com as altas taxas de juros do crédito tradicional. Foi para preencher essa lacuna que o governo lançou o novo modelo.
“Esse programa foi pensado nessa gente, em quem quer uma casa maior, num lugar melhor”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o lançamento.
Os pontos-chave do anúncio são:
- Público-alvo: Famílias com renda mensal a partir de R$ 12 mil.
- Novo Teto: Financiamento de imóveis de até R$ 2,25 milhões dentro das regras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
Como o novo crédito imobiliário funciona na prática?
A grande inovação do programa está na forma como os bancos poderão usar os recursos da caderneta de poupança, principal fonte de financiamento imobiliário no país. A mudança destrava o sistema e cria um ciclo que pode beneficiar todo o setor.
Até hoje, os bancos eram obrigados a direcionar 65% de todos os depósitos da poupança para o crédito imobiliário. O novo modelo acaba com essa rigidez e estabelece uma nova regra. Os bancos terão mais liberdade no uso dos recursos, desde que mantenham 80% de suas carteiras de financiamento habitacional dentro do SFH, que possui juros limitados a 12% ao ano.
Mais poupança, mais crédito
Na prática, a regra cria uma conexão direta: quanto mais os brasileiros depositarem na poupança, maior será a capacidade dos bancos de oferecerem financiamentos imobiliários com juros controlados. Isso incentiva as instituições financeiras a captarem mais recursos via poupança, LCIs e CRIs.
Incentivo para Emprestar: A Redução do Compulsório (H3)
Para estimular ainda mais a adesão, o governo permitirá que os bancos abatam do depósito compulsório (dinheiro que fica retido no Banco Central) até 5% dos saldos da poupança que forem aplicados no novo crédito habitacional. É um benefício direto para aumentar a liquidez e a oferta de crédito.
Qual o impacto esperado no mercado?
Os números iniciais são otimistas. Segundo projeções do Banco Central, a nova estrutura tem potencial para injetar R$ 111 bilhões no mercado já no primeiro ano. Desse total, R$ 52,4 bilhões seriam recursos novos para o crédito imobiliário, com R$ 36,9 bilhões liberados de forma imediata.
Uma das consequências diretas é que a Caixa Econômica Federal voltará a financiar até 80% do valor do imóvel, ampliando o acesso para quem não tem um valor tão alto para dar de entrada.
Nem tudo são flores. Riscos e pontos de atenção
Apesar do otimismo do governo, economistas e o próprio mercado apontam um desafio central para o sucesso do programa: a saúde da caderneta de poupança.
A dependência da poupança
O modelo só funciona se houver dinheiro entrando na poupança. Contudo, nos últimos anos, a aplicação perdeu atratividade. Com a taxa Selic em patamares mais altos, muitos brasileiros migraram seus recursos para investimentos mais rentáveis (como Tesouro Direto, CDBs e fundos). A poupança encolheu de R$ 801 bilhões em 2020 para R$ 755 bilhões em 2025.
Na minha avaliação “o novo modelo cria um ciclo virtuoso se houver poupança. Mas se o brasileiro continuar sacando, o financiamento também vai murchar”.
Perguntas e respostas
Quem pode solicitar o novo financiamento?
Famílias com renda comprovada acima de R$ 12 mil mensais.
Qual o teto do valor do imóvel?
O novo programa permite financiar imóveis de até R$ 2,25 milhões pelas regras do SFH.
Os juros serão realmente mais baixos?
Sim. Dentro do SFH, os juros são limitados por lei a um teto de 12% ao ano + TR, taxa significativamente menor que as praticadas no crédito de mercado livre.
Quando as novas regras entram em vigor?
A transição será gradual. As regras atuais continuam valendo até janeiro de 2027. A partir daí, o novo sistema, com menos compulsório e mais autonomia para os bancos, entra em pleno vigor.
Enfim: Uma porta aberta, mas um caminho tem que ser construído
O novo programa de crédito imobiliário acerta ao focar em uma parcela da população que estava desassistida. A iniciativa tem potencial para aquecer o setor da construção civil, gerar empregos e, o mais importante, realizar o sonho da casa própria para muitas famílias.
No entanto, seu sucesso não depende apenas de um decreto. Ele está diretamente ligado à confiança do brasileiro na economia. Para que a poupança volte a crescer e alimentar esse ciclo de crédito, é fundamental que haja estabilidade econômica, controle da inflação e previsibilidade. A porta para o financiamento foi aberta; agora, o desafio é construir um cenário de confiança para que as pessoas possam atravessá-la.
Por Hosa Freitas
Jornalista, consultora e especialista em comunicação institucional.
Leia também: