Sem visão estratégica de país, Brasil insiste em reformas paliativas e medidas apressadas que perpetuam ciclos de ineficiência e desigualdade.
O Brasil é mestre em correr atrás do próprio rabo. Com uma frequência quase ritual, governos de diferentes espectros ideológicos anunciam “reformas estruturais” com tom solene, promessas de modernização e slogans de ocasião. Mas o que se vê, década após década, é uma nação refém de sua própria falta de planejamento.
Essa ilusão de eficiência, esse culto ao resultado imediato, o indicador bonito que esconde a realidade e vira manchete e o aplicativo que ‘resolve tudo’, desvia a atenção do essencial: sem um projeto de país, continuaremos empilhando paliativos sobre escombros estruturais.
O Brasil tem se comportado como uma startup ansiosa, onde a solução sempre parece estar no próximo pitch de inovação: digitalização de serviços, desburocratização relâmpago, inteligência artificial em processos públicos. Tudo isso soa bem nos discursos e rende manchete. Mas quem circula pelos corredores dos hospitais públicos, entra em escolas precárias ou lida com o cipoal tributário sabe que a tecnologia, sozinha, não reforma uma estrutura carcomida.
A obsessão por eficiência operacional e claro, muitas vezes copiada de modelos de gestão empresarial mal adaptados à lógica pública, ignora uma verdade elementar: não se reforma o telhado enquanto a fundação está cedendo. E nossa fundação institucional, social e fiscal está profundamente rachada.
Exemplo 1: o app do SUS e a fila que não some
Nos últimos anos, o Ministério da Saúde lançou diversos aplicativos com o objetivo de facilitar o agendamento de consultas e o acompanhamento do prontuário eletrônico. As soluções tecnológicas foram bem recebidas, inclusive premiadas. Mas o que elas escondem é o drama real de milhões de brasileiros que continuam meses à espera de uma cirurgia eletiva ou de um exame básico. Em muitos casos, o sistema “moderno” só digitaliza a fila, mas não a encurta, não a resolve. A eficiência digital virou um espelho d’água sobre a ausência de estrutura física e humana no SUS.
Exemplo 2: a reforma tributária fatiada e o labirinto que se mantém
A tão aguardada reforma tributária, que deveria simplificar o manicômio fiscal brasileiro, foi sendo desmontada até virar um texto técnico de difícil compreensão, com fases, exceções, regimes específicos e cronogramas que se estendem até 2033. O discurso de modernização esbarrou na incapacidade de enfrentar privilégios históricos, como os benefícios setoriais, a guerra fiscal entre estados e o peso regressivo dos tributos sobre o consumo. O resultado? Um remendo elegante, mas que mantém o contribuinte, especialmente o pequeno empresário, preso num labirinto de obrigações acessórias, interpretações conflitantes e insegurança jurídica.
O problema não está na falta de propostas, e sim na ausência de um norte estratégico. Não há um pacto nacional sobre qual Brasil. O que queremos ser em 10, 20, 50 anos. Sem esse horizonte, qualquer mudança corre o risco de ser revogada na próxima legislatura ou contestada por lobbies mais organizados que o Estado.
Vivemos sob a lógica do improviso. Um país que opera como um comitê de crise permanente, sem tempo, ou mesmo sem vontade política, para enfrentar as raízes dos seus gargalos. O planejamento é visto como “custo”, burocracia ou ainda, pior, como obstáculo ao pragmatismo da “gestão eficiente”.
Mas eficiência sem planejamento é só um atalho para o desastre. E esse atalho está cada vez mais lotado.
Enquanto isso, seguimos perdendo talentos, sufocando a inovação, perpetuando desigualdades regionais e desmontando políticas públicas sob o pretexto de “modernização”. A pressa, quando desconectada de estratégia, não nos leva para frente. Só nos faz andar em círculos.
Basta observar o histórico recente das reformas. A trabalhista foi vendida como solução para geração de empregos. O que veio foi a uberização do trabalho e o aumento da informalidade. A reforma da Previdência prometia sustentabilidade fiscal, mas não enfrentou os privilégios de corporações blindadas. A tributária, há 40 anos em debate, ainda patina entre interesses conflitantes e tudo indica que, mais uma vez, sairá do forno como um remendo tecnocrático e desigual.
Por Hosa Freitas
Jornalista, consultora e especialista em comunicação institucional. Atua há mais de 35 anos com posicionamento de marca, mídia espontânea e estratégias de reputação e Merlí Bradley, especialista em filosofia e antropologia da comunicação.