IR até R$ 5 mil: alívio no bolso agora, conta paga por quem?

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Câmara aprova isenção até R$ 5.000 e desconto regressivo até R$ 7.350. A compensação promete vir da alta renda e de dividendos, mas se faltar, onde o governo vai buscar receita?

A Câmara aprovou o projeto que zera o IR para quem ganha até R$ 5.000 por mês e cria um desconto regressivo entre R$ 5.000 e R$ 7.350. É renda disponível imediata para a base da pirâmide e politicamente, é munição de peso. O ponto fiscal é outro, quanto custa e quem financia esse alívio? Pela própria Agência Câmara, a renúncia estimada é de R$ 25,4 bilhões por ano. O governo já havia trabalhado com números na casa de R$ 25/27 bilhões nas comunicações oficiais no 1º semestre. A aposta do relator é de neutralidade. O que se desonera embaixo se cobra em cima.

O desenho da compensação tem dois pilares. Primeiro, nasce o Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM). Uma alíquota efetiva mínima de até 10% ao ano sobre altas rendas, incidindo linearmente de 0% a 10% quando o total de rendimentos anual fica entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão, e 10% acima disso. Quem já paga acima desse piso não é afetado. Quem paga essa conta? Um universo estimado de 141 mil contribuintes, cerca de 0,13% do total, perfil de alta renda com forte peso de lucros e dividendos hoje pouco tributados na pessoa física.

Segundo, o retorno da tributação de dividendos por meio de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) de 10% quando a mesma pessoa física recebe de uma mesma empresa acima de R$ 50 mil/mês, o valor retido pode ser abatido no ajuste anual. A regra também vale para remessas ao exterior. Em paralelo, o texto preserva uma lista de rendas excluídas do cômputo do Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM) (ex.: poupança, rendas isentas por doença grave, parte da atividade rural, vários títulos incentivados e, por construção, lucros já “trancados” até 2025). Em bom português: o governo mira fluxos recorrentes de renda alta, mas amassa arestas para não extrapolar a carga total quando se soma o que já foi pago na empresa (IRPJ/CSLL).

Custo x funding. A promessa oficial é de arrecadação neutra: R$ 25,4 bi de renúncia compensados pela alta renda (IRPFM) + IRRF de 10% em dividendos. É um desenho de “tampa e panela” que corrige uma distorção brasileira (dividendos isentos na PF) e aproxima o país da prática internacional, sem chamar de “novo imposto”. A eficácia, porém, depende de três variáveis: 1 – escopo do que entra na base do IRPFM; 2 – capacidade de fiscalização para evitar planejamento agressivo; e 3 – comportamento do contribuinte de alta renda (antecipação de distribuição até 2025, pulverização societária, etc.). O texto já abre janelas de transição até 2028 para lucros apurados até 2025, o que reduz atrito, mas também empurra receita para frente.

E se a conta não fechar? Política pública vive de meta e resultado, não de intenção. Se a combinação IRPFM + IRRF sobre dividendos não cobrir integralmente a renúncia, a tendência é recorrer a “bases mais fáceis”, alvos de arrecadação com ajuste rápido, baixo custo administrativo e menor atrito político, como consumo (já reformado) e setores com benefícios creditícios/incentivos. O plano B é a MP 1.303/2025. Ela é a admissão tácita de como o jogo realmente funciona. É o governo preparando o terreno para a inevitável frustração da receita prometida, padroniza a tributação da renda fixa (alíquota única de 17,5%), passa a tributar novas emissões de LCI/LCA/CRI/CRA e debêntures incentivadas (5%) e eleva a carga sobre apostas (GGR de 18%). Embora a MP tenha nascido para compensar o IOF, ela indica a direção para ampliar base, podar isenções e buscar receita recorrente. Se a arrecadação do IRPFM frustrar, essa carta volta à mesa.

Quem ganha e quem paga, em resumo.
Ganha: quem recebe até R$ 5 mil/mês (isenção total) e quem está entre R$ 5.000 e R$ 7.350 (desconto regressivo mensal; fórmula pública). Isso é renda disponível imediata e tem efeito pró-consumo.
Paga: a faixa de alta renda. Contribuintes com renda anual igual ou maior que R$ 600 mil (subindo até 10% de alíquota efetiva mínima) e quem recebe dividendos acima de R$ 50 mil por mês de uma mesma empresa (10% na fonte). É um rearranjo dentro da base do IRPF para corrigir a alíquota efetiva muito baixa no topo.

Simulações mensais (R$)

Salário brutoINSSBase do IR (bruto – INSS)IR pela tabela (sem redutor)Redutor novoIR finalLíquido
5.500579,604.920,40444,38246,32198,064.722,34
6.000649,605.350,40562,63179,75382,884.967,52
7.000789,606.210,40799,1346,60752,535.457,87

Riscos fiscais. Neutralidade “no papel” não é neutralidade na execução. O Senado ainda pode alterar escopos e exclusões; a Receita precisa operacionalizar o redutor dos 7,35 mil de forma inequívoca no holerite e cruzar dados de dividendos para coibir fragmentação artificiosa de pagamentos. Se a arrecadação ficar aquém do previsto, surgirão atalhos, entre eles o governo poderá elevar alíquotas de contribuições (que não repartem com estados e municípios), rever incentivos setoriais ou apertar regras de isenções financeiras. Em qualquer dessas saídas, a pressão recai fora do target inicial.

Timing e vigência. O pacote segue para o Senado, se virar lei em 2025, passa a valer sobre rendimentos de 2026. Até lá, haverá disputa técnica sobre método de cálculo do IRPFM, créditos aceitáveis e coordenação com o que já foi pago na pessoa jurídica, para evitar bitributação de fato.

A renúncia no andar de baixo tem mérito econômico (propensão a consumir mais alta) e mérito distributivo. A compensação no topo corrige distorções históricas. O teste é de contabilidade política, manter o pacote neutro sem abrir flancos no meio do caminho. Se o governo sustentar o IRPF mínimo e a retenção de dividendos como pilares e resistir à tentação de “atirar no consumo”, o desenho fica de pé. Caso contrário, a “conta bonita” de hoje vira pressão tributária espalhada amanhã.

O projeto, aprovado por unanimidade, ainda precisa ser analisado pelo Senado Federal, que poderá sofrer alterações, caso isso não aconteça e seja aprovado da forma como está, será encaminhado para sanção do presidente da república.

Por Hosa Freitas
Jornalista, consultora e especialista em comunicação institucional.

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