Proposta que alivia o bolso de milhões de brasileiros expõe defasagem histórica de mais de 150% na tabela do Imposto de Renda. Entenda o que muda e quem realmente ganha com a nova regra.
Nos corredores do Congresso Nacional, uma das promessas de campanha mais aguardadas pela população volta a ganhar força. O Plenário da Câmara dos Deputados se prepara para votar o projeto de lei que eleva a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5.000 mensais. A medida, se aprovada, representa um alívio direto no orçamento de milhões de famílias, mas, por trás dos números, ela revela uma batalha muito mais antiga: a luta contra a corrosão silenciosa do poder de compra causada pela inflação, um verdadeiro “imposto invisível”.
O imposto que você não vê: Como a inflação aumentou sua contribuição
Para entender a urgência do debate, imagine a situação de José, um trabalhador que ganhava R$ 2.800 em 2024 e era isento de IR. Com um reajuste salarial de 10% para compensar a inflação do período, seu salário passou para R$ 3.080. Na prática, seu poder de compra continuou o mesmo, mas para a Receita Federal, ele cruzou a linha da isenção (fixada em R$ 2.824) e passou a pagar imposto.
Esse fenômeno, conhecido tecnicamente como “defasagem da tabela”, é o cerne da questão. Quando a tabela do IR não é corrigida na mesma proporção da inflação, o governo acaba arrecadando mais, não porque a população enriqueceu, mas porque os salários foram nominalmente ajustados para não perderem valor. O resultado é um aumento da carga tributária na prática, sem que nenhuma lei de aumento de imposto tenha sido aprovada.
Uma dívida de 154%

Os números que medem essa distorção são alarmantes. Segundo cálculos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), a defasagem acumulada na tabela do Imposto de Renda desde 1996 chega a impressionantes 154%.
O que isso significa? Se a faixa de isenção tivesse sido corrigida anualmente pela inflação oficial (IPCA) desde aquele ano, hoje ninguém que ganha menos de R$ 5.136 por mês deveria pagar Imposto de Renda. A proposta de R$ 5.000, portanto, não é um benefício novo, mas sim uma tentativa de quitar uma dívida histórica com o contribuinte, e que ainda não cobre o valor total da correção.
De congelamentos a alívios tímidos: Uma breve história
A situação se agravou drasticamente entre 2015 e 2022, período em que a tabela ficou completamente congelada, com a isenção estacionada em R$ 1.903,98. Milhões de brasileiros com salários mais baixos foram incluídos na base de contribuintes apenas por efeito da inflação.
O governo atual realizou duas correções parciais para mitigar o problema: a primeira em 2023, elevando a isenção para R$ 2.640, e a segunda em 2024, para R$ 2.824, visando desonerar quem recebia até dois salários mínimos da época. Embora bem-vindas, as medidas foram paliativas e não resolveram a distorção estrutural.
Quem ganha e quem paga a conta?
O benefício mais direto da nova proposta é claro: trabalhadores com carteira assinada, autônomos e aposentados que se encontram na faixa salarial entre R$ 2.824 e R$ 5.000 deixarão de pagar o imposto ou pagarão um valor significativamente menor.
Contudo, especialistas em tributação apontam para um efeito colateral: o “achatamento” da tabela. Ao mexer apenas na faixa de isenção sem corrigir as demais faixas na mesma proporção, a progressividade do imposto diminui. A diferença de tributação entre quem ganha R$ 5.000 (que passaria a ser isento) e quem ganha R$ 5.500 (que continuaria na alíquota de 27,5% sobre a parcela excedente) se torna ainda mais abrupta.
Para o governo, a conta da renúncia fiscal é alta. A perda de arrecadação precisa ser compensada de alguma forma, o que alimenta o debate sobre outras frentes da reforma tributária, como a taxação de dividendos ou de grandes fortunas.
Enquanto o projeto segue sua tramitação, a conclusão é unânime entre economistas: mais do que ajustes pontuais, o Brasil precisa de um mecanismo de correção automática e anual da tabela do IR. Somente assim o “imposto invisível” da inflação deixará de penalizar o bolso do trabalhador brasileiro.
Fonte: Agências Câmara/Senado/Ministério da Fazenda/Receita Federal
Leia também: