MEI: déficit de R$711 bi na Previdência reforça precarização do trabalho

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Modelo institucional que devia formalizar gera rombo e expõe fragilidade estrutural — e quase metade dos MEIs está inadimplente.

O Brasil abraçou o Microempreendedor Individual (MEI) como símbolo de autonomia e formalização, mas um novo estudo acende o alerta: o déficit previdenciário futuro atribuível a eles é de R$ 711 bilhões. O relatório, citado pela Folha de S.Paulo, mostra que a contribuição simbólica de 5 % do salário mínimo, R$ 75,90, não sustenta os benefícios prometidos. O alerta partiu do economista Leonardo Rolim, ex-subsecretário do Ministério da Previdência.

E a precarização ganha força quando cruzamos com outro dado alarmante: dos quase 15 milhões de MEIs registrados em 2025, 6,2 milhões (40%) estão em situação de inadimplência. Sem o pagamento do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), que cobre INSS, ISS e ICMS, o empreendedor pode ter o CNPJ cancelado após 12 meses de atraso, ficando sem acesso aos benefícios previdenciários e à formalização legal.

Em algumas funções, afirma ele, essa substituição está acelerada, como as de cabeleireiro, manicures e esteticistas. A razão, segundo o pesquisador, é a chamada Lei do Salão Parceiro, que permite ao profissional se formalizar como MEI, estabelecendo um contrato de parceria entre as partes em vez de um vínculo empregatício. Os serviços de beleza já lideram os MEIs.

“Tem também muitas ocupações de curso superior. Vejo também faculdade privada que está parando de contratar professor com carteira e pegando MEI”, conta o pesquisador.

O MEI não paga Imposto de Renda e, com os 5% de contribuição do valor do salário mínimo, o trabalhador tem direito à aposentadoria por idade e outros benefícios, como aposentadoria por invalidez, pensão por morte, salário maternidade e auxílio-doença.

Apesar dos problemas, Bramante afirma que ainda é melhor ter o MEI, mesmo que o pagamento seja baixo, do que futuramente a pessoa virar beneficiária do BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos acima de 65 anos e pessoas com deficiência de baixa renda. O benefício não exige contribuição prévia e paga o mesmo valor de um salário mínimo.

O estudo de Nagamine, porém, contesta essa avaliação e aponta que, além da receita “insignificante”, a mudança de BPC para MEI altera o fluxo de despesas, pois o trabalhador passa a ter direito aos benefícios não programados, como auxílio-doença e salário maternidade. Além disso, a aposentadoria paga 13º salário e gera pensão para dependentes, o que não ocorre com o BPC. “Por isso, o aumento da despesa pode até ser maior do que a pequena arrecadação que o MEI gera”, diz.

Essa combinação indica:

  1. Déficit bilionário na Previdência, sem perspectiva de contribuição complementar;
  2. Precariedade generalizada, com formalização sem respaldo econômico ou proteção social;
  3. Vulnerabilidade triplicada: trabalhadores sem acúmulo de direitos, empresas pequenas afetadas e o rombo no sistema público.

Uberização institucional disfarçada de formalização

O MEI era vendido como solução para formalizar o pequeno negócio, mas, na prática, transforma-se em uberização institucional, com acesso reduzido à previdência, sem cobertura real e riscos fiscais elevados. Essa dinâmica agrava ainda mais a crise da classe trabalhadora conectada, onde a promessa de liberdade esbarra num sistema regulatório fragilizado.

Já discutimos esse processo de forma mais ampla no artigo A ilusão da eficiência sem planejamento que mostra como a informalidade institucionalizada se tornou o novo normal sob o disfarce de “autonomia”.

Esse estudo da Folha confirma essa lógica: a contribuição mínima apenas cristaliza essa precariedade, sem remover a informalidade de fato.

Para prevenir a “bomba social” que se aproxima, é preciso:

  • Reformular a contribuição: mais previdência obrigatória (como a complementar opcional), combinada com fiscalização dos inadimplentes;
  • Educação financeira e tributária para MEIs, evitando abandono e inadimplência;
  • Integração do MEI a políticas de proteção social, como auxílio-desemprego, até transição para microempresa;
  • Revisão institucional, com ações coordenadas entre Receita, Sebrae e instituições previdenciárias.

A formalidade parcial do MEI revela limites estruturais e custos futuros socialmente insustentáveis. A conjugação entre déficit colossal na Previdência, inadimplência em massa e informalização legalizada demanda um ajuste urgente, sob risco de um sistema que promete inclusão, mas mina a proteção social.

Por Hosa Freitas
Jornalista, consultora e especialista em comunicação institucional. Atua há mais de 35 anos com posicionamento de marca, mídia espontânea e estratégias de reputação

E Merlí Bradley
Especialista em filosofia e antropologia da comunicação, com foco em análise crítica de linguagem, poder simbólico e estruturação narrativa.

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