Especialistas alertam para riscos de centralização e perda de inovação local com novo modelo de governança proposto pelo projeto em análise na Câmara dos Deputados
Em audiência pública realizada na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, especialistas expressaram preocupação com a possível perda de autonomia de estados e municípios caso seja aprovado o Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/19, que cria o Sistema Nacional de Educação (SNE). A proposta, já aprovada no Senado, está sendo discutida como uma tentativa de dar mais autonomia à gestão educacional no país, mas há quem veja nela uma ameaça à estrutura federativa brasileira.
O debate reuniu representantes da sociedade civil, pesquisadores e gestores públicos. Para a especialista em Tecnologias em Educação e Relações Internacionais, Cassia Queiroz, o modelo proposto viola os artigos 29 e 30 da Constituição, que garantem a autonomia legislativa e administrativa dos municípios. Segundo ela, o sistema proposto transforma o que era cooperação em imposição. Na avaliação dela um grupo de 15 representantes, cinco da União, cinco dos estados e cinco dos municípios, passaria a criar normas e fiscalizar políticas educacionais de forma vinculante.
“São 15 pessoas decidindo o futuro da educação brasileira, retirando a autonomia dos entes federativos. Será que estamos prontos para rasgar a Constituição?”, declarou.
A conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE), Ilona Becskeházy, afirmou que o SNE tende à uniformização excessiva, dificultando inovações locais e favorecendo grupos organizados que orbitam em torno do aparato educacional, como sindicatos e ONGs. “Os alunos são o álibi perfeito para atender interesses que não são os deles. Países desenvolvidos como Estados Unidos e Reino Unido não possuem um sistema de educação nacional integrado”, disse.

Na mesma linha, João Batista Oliveira, do Instituto IDados, declarou que a proposta tem baixa chance de melhorar a qualidade da educação e alta chance de engessar ainda mais o sistema. “Educação não é como saúde ou segurança pública. Não precisa de comando central. Precisa de liberdade e responsabilidade local”, defendeu.
Por outro lado, a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, defendeu o projeto. Segundo ela, o fracasso no cumprimento de 90% das metas do último Plano Nacional de Educação (PNE) mostra a necessidade de um modelo mais coordenado, com responsabilidades bem definidas. “Faltou uma governança efetiva. O SNE pode ajudar a organizar e cobrar metas, com mais participação social e gestão democrática”, avaliou.
O relator da proposta, deputado Rafael Brito (MDB-AL), e a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirmaram que o debate será ampliado. Três novas audiências públicas estão previstas para os próximos dias, e a expectativa é que todas as contribuições sejam consideradas no relatório final. O projeto está sendo examinado em conjunto com o PLP 25/19 e, após passar pelas comissões de Educação, Finanças e Tributação, e Constituição e Justiça, seguirá para o plenário da Câmara.

Quadro comparativo: SNE em debate
Argumentos a favor do SNE | Argumentos contrários ao SNE |
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✅ Fortalece a coordenação entre União, estados e municípios para atingir metas educacionais nacionais. | ❌ Pode ferir a autonomia de estados e municípios, contrariando os artigos 29 e 30 da Constituição. |
✅ Propõe mecanismos de cooperação para superar o fracasso do Plano Nacional de Educação (PNE), que não cumpriu 90% das metas. | ❌ Cria instância central com poder normativo e fiscalizador, concentrando decisões em 15 representantes. |
✅ Estimula a gestão democrática e a participação da sociedade civil. | ❌ Pode engessar políticas educacionais e dificultar inovações locais. |
✅ Traz mais clareza sobre responsabilidades e metas comuns entre os entes federativos. | ❌ Favorece grupos organizados (sindicatos, ONGs, fornecedores), em detrimento das necessidades reais dos estudantes. |
✅ Pode impulsionar investimentos e cobranças por resultados. | ❌ Sistemas centralizados não são adotados em países desenvolvidos (EUA, Reino Unido), que mantêm liberdade regional. |
Estrutura de governança proposta no SNE
Grupo permanente com poder normativo e fiscalizador:
- 15 representantes com direito a voto:
- 5 da União (representados pelo Ministério da Educação)
- 5 dos Estados (representados pelo Conselho de Secretários Estaduais)
- 5 dos Municípios (representados pelo Conselho de Secretários Municipais)
Poderes do grupo:
- Criar normas vinculantes
- Estabelecer diretrizes comuns
- Fiscalizar a execução das políticas educacionais nos entes federados
Crítica central: modelo reduz a autonomia local e transforma cooperação em imposição normativa.
Fonte:JHC